Dos Pés à Cabeça / De norte a sul / De ponta a ponta / do início ao fim



Textamento Duro


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Eu já não tenho mais o mesmo pique que tinha em minha juventude, onde tudo era poesia, e das boas. Hoje vivo da textualidade dura dos artigos cientîficos, com dados estatísticos, silogismos, normas técnicas, códigos de ética. Hoje não há mais verso nem prosa, meu tempo já passou. Hoje eu não ouço mais música pelo prazer que a música me causa, só por status. O meu Jazz, a minha bossa e a minha experimentalidade são estampados, porque eu ouço boa música, mas o meu gozar por estas audições é duramente apolíneo. Ser culto é muito duro.

Eu, quando jovem, não tive medo de que a ciência e a intelectualidade corressem em minhas veias. Aliás, isso era ser bom para mim. Mas agora eu sou velho e sou culto, o que é a concretização de uma grande maldição e de um grande pesadelo. Eu não deslizo mais por sobre as macias e patináveis superfícies da ludicidade e do lirismo descompromissado. Eu me arrasto, protegido pelas botas do saber, por sobre o áspero e infértil solo da experimentação pragmata. Não experimento pelo prazer do novo, como outrora fizera, mas sim pela obrigação do útil.

Hoje Deus é uma necessidade e ao mesmo tempo uma vítima do homicídio a que eu sirvo. Minha fé é uma fé interessada. Se Deus não existir, tudo o que eu faço perde sentido, é consertar uma máquina que não produz nada, que só gasta combustivel. Mas se Ele há, então ha uma razão para que minha ciência continue a fazer as engrenagens do mundo funcionarem. Então vou continuar a crer em Deus, e usar os meus resquícios de alma (e) de filosofia para manter Deus vivo. Mesmo que seja tão vivo quanto Quincas Berro d'Água depois de sua primeira morte, eu preciso manter Deus vivo.

Eu poderia ser Deus pra que tudo o que eu faço tivesse razão de ser, mas isso seria viver mais ainda no temor da eminência da morte, quando faleceria também toda a razão do meu ter estado vivo. A ciência ja é a minha primeira morte.

Mas tanto Deus quanto eu, depois de nossas primeiras mortes, não podemos ser como Quincas. Ele acordou pra ir pra onde queria ir, pra invalidar a primeira morte, pra dizer que só morreria como quis e como disse que iria. A segunda morte veio pra anular a primeira, pra fazer dela piada, tendo ela mesmo, a primeira, aspecto de uma. Muitos vieram a não crer na segunda morte, mas só ela valeu, por ter sido a morte vinda da vontade de quem viveu a vida em que ela, a segunda morte, se fez. Já, eu, morto pela ciência que é hoje minha vida, tenho nela, na ciência dura, minha vida pós-primeira morte. Então essa segunda vida (que em QUincas foi mais do que apenas uma segunda vida, foi tão vida quanto a primeira), em mim, não passa de um prolongamento da minha primeira morte. Minha primeira morte e minha segunda vida, se chamam ciência. Uma ciência que depende de divindade para ter sentido, tendo eu ou sendo eu Deus.

Diante da ciência (minha primeira morte e segunda vida), a vindoura segunda morte (esta, tida pelo mundo como a verdadeira, tanto quanto a primeira de Quincas) seria não uma afirmação de toda a minha vida e uma negação da primeira morte, mas sim uma negação de tudo: da primeira morte; da segunda vida; e até da primeira vida, já contaminada pela ciência, já que eu e o mundo cremos que eu sou (e não estou) cientista. A segunda morte de quincas é poesia matando ciência. A minha segunda morte será ciência se suicidando.

E o Deus que eu tento manter vivo? Como será sua segunda morte? Sinceramente, não será. Porque para ele chance alguma de segunda vida há. O que eu tenho para mante-lo vivo é apenas a filosofia pouca que me resta. Mas ela já não é mais filosofia, porque a minha ciência, nascida dessa filosofia, a negou até que ela morresse, de uma negação homicídio. Se há filosofia ainda, não há chance nenhuma de minha ciência tê-la como acessível. Então a segunda morte de meu Deus é, na verdade a mesma segunda morte da minha ciência. é o mesmo suicídio, previsível, inevitável, tão mecanicista como minha maneira de entender o real.

Eu que, por tanto ter tentado, sem sucesso, entender deterministicamente a alma, acabei por ignorá-la e deter-me apenas no sucesso de poder traduzir o corpo e reduzir tudo a corpo e em corpo, agora pago por isso. E o preço é ser um corpo sem alma. Sem poesia, sou uma ciência defunta, morta-viva, esperando a hora de cair. Sou um zumbi culto, apreciando um quadro que vale fortuna, na minha parede. Parede tão dura quanto a escrita de meus artigos.

Só que bem menos áspera.


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